Magu Mathias 
A França é mundialmente famosa por sua culinária sofisticada e variada, e isso se reflete de maneira esplêndida em suas sobremesas. Desde doces delicados e refinados até opções rústicas e reconfortantes, as sobremesas francesas encantam paladares ao redor do globo. Cada sobremesa conta uma história rica em tradição e cultura, trazendo à tona técnicas culinárias meticulosas que foram aperfeiçoadas ao longo dos séculos. Neste post, vamos explorar algumas das sobremesas mais emblemáticas da França, descobrindo suas origens, peculiaridades e dicas para recriá-las em casa. Prepare-se para uma viagem doce pelo coração da confeitaria francesa.
Sobremesas (Desserts)
As sobremesas francesas representam a excelência da confeitaria desse país, cada uma com seu próprio charme, história e sabor. Ao explorar essas delícias, você certamente entenderá por que a França é renomada por suas sobremesas divinas.
Crème Brûlée
Essa famosa sobremesa é feita à base de creme coberta com uma camada contrastante de caramelo duro. Tradicionalmente, o creme é aromatizado com baunilha. Cada mordida em um crème brûlée é um exercício de opostos.
O sabor doce do creme de baunilha contrasta com o sabor quase amargo da cobertura “bruléed”; o crocante do açúcar caramelizado contrasta com a textura macia e cremosa do creme por baixo; o suave banho-maria usado para assar o creme em comparação com a dramática chama do maçarico usada para derreter o açúcar. Neste prato os opostos definitivamente se atraem.
DETALHE: É difícil identificar quando e até onde o primeiro crème brûlée pode ter sido feito. Havia receitas semelhantes circulando pela França, Espanha e Inglaterra, que remontam ao século V. Mas uma coisa é certa: os humanos ao longo da história sempre adoraram uma sobremesa boa e cremosa. E quem somos nós para discordar de 1.500 anos de boas críticas?
DICA: Hoje em dia, você encontrará diferentes sabores de creme (como café) e combinações de frutas (uma camada de purê de frutas abaixo do creme), dependendo da região e da estação.
CURIOSIDADE: A primeira receita impressa de uma sobremesa chamada crème brûlée vem da edição de 1691 do livro de receitas francês Le Cuisinier Royal et Bourgeois, de François Massialot, cozinheiro do Palácio de Versalhes. Essa versão era um creme doce de gemas e leite com crosta de açúcar queimado. É semelhante às versões modernas.
Tarte Tatin
Trata-se de uma sobremesa francesa clássica. Esta massa invertida contém frutas (geralmente maçãs) que são caramelizadas antes de serem assadas. Geralmente é servido com creme inglês ou sorvete.
DICA: Sirva a tarte Tatin morna, acompanhada de creme chantilly ou sorvete de baunilha para um contraste de temperatura e sabor.
CURIOSIDADE: A Tarte Tatin foi criada por acidente pelas irmãs Stéphanie e Caroline Tatin no final do século XIX. Ao preparar uma torta de maçã, uma das irmãs deixou as maçãs caramelizarem demais. Para salvar o prato, cobriram as maçãs caramelizadas com massa e colocaram no forno. O resultado foi tão delicioso que se tornou um clássico.
Macarons
Talvez um dos doces franceses mais reconhecidos mundialmente, o macaron (se pronuncia macaRRon mas se escreve macaRon) é um pequeno biscoito feito com farinha de amêndoas, granuloso e molinho, de forma arredondada com em média de 3 a 5 cm de diâmetro.
É uma especialidade em diversas cidades e regiões da França e por isso a receita e apresentação pode mudar de um lugar a outro. Alguns exemples são os macarons de Amiens, Boulay , Chartres, Cormery, Joyeuse, Le Dorat, Massiac, Montmorillon, Nancy, Rau, Saint-Émilion, Sainte-Croix Lannion ou Sault. São as cidades em que o macaron é sem duvida, um patrimônio gastronômico.
DETALHE: Todos os macarons das cidades citadas têm em comum o fato da massa de base ser um derivado do merengue (massa de suspiro), farinha de amêndoas, açúcar de confeiteiro, açúcar comum e clara de ovo. Normalmente a receita pede a mesma quantidade de açúcar de confeiteiro e de farinha de amêndoa. As demais medidas podem variar de receita para receita, algumas receitas de macarons podem incluir recheios, outras não. Outra tradição que não muda é que além de serem redondos todos os macarons são assados, porém a temperatura e o tempo de forno também variam de receita para receita.
DICA: Macarons e macaroons são diferentes em aparência, sabor e textura. Um macaron é um biscoito recheado à base de merengue tingido com corante alimentício. Já um macaroon é um biscoito feito com coco ralado. A preparação destes dois biscoitos também é bem diferente.
8 CURIOSIDADES:
- Na França, há um dia nacional dedicado aos macarons chamado “Jour du Macaron“, criado pelo chef pâtissier Pierre Hermé.
- O nome macaron seria de origem árabe. Ele inclusive é conhecido e consumido na Síria com o nome de louzieh (que significa amêndoa) porque está intimamente associado à produção desta noz.
- As primeiras receitas conhecidas datam do Renascimento. O boom do comércio marítimo permitiu a importação de amêndoas para a Itália. A palavra vem do macaroni ou maccherone em italiano, mas, nesse caso, é a a pasta de farinha de amêndoa que se tornou o principal ingrediente da confeitaria Italiana quando ela (a amêndoa) foi introduzida na Itália em 1500. Surgiu assim um biscoito simples e popular entre os nobres italianos.
- Acredita-se que o macaron cruza a fronteira francesa em 1533 graças a Catarina de Medici, que se torna rainha da França ao se casar com Henrique II. François Rabelais é o primeiro grande escritor francês a citá-lo em 1552.
- Em Saint-Jean-de-Luz, sabe-se que foi oferecido ao rei Louis XIV, o Rei Sol, por ocasião do seu casamento com a rainha Maria Theresa.
- Em 1792, em Nancy, onde o macaron era preparado pelas comunidades religiosas, as irmãs da congregação Damas do Santíssimo Sacramento, Marguerite Gaillot e Marie-Elisabeth Morlot, começaram a comercializá-los.
- Até então, o macaron era um simples biscoito de amêndoa, crocante por fora e macio por dentro. Foi na década de 1830, que tiveram a ideia de montar dois biscoitos de macarons e recheá-los com geléias, especiarias ou licores, e depois com diferentes sabores de creme, ganaches ou marmeladas.
- No início do século 20, a doceira Ladurée de Paris criou o macaron colorido em sua forma atual com uma grande variedade de cores e sabores. A partir desse momento o doce conhece uma nova onda de sucesso na capital.
Mousse au Chocolat
O mousse de chocolat é uma sobremesa clássica francesa que consiste em uma mistura suave e aerada de chocolate, ovos, açúcar e creme. A palavra “mousse” significa espuma em francês, referindo-se à sua textura leve e fofa.
Existem várias versões de mousse de chocolate, incluindo aquelas com infusão de café, licores ou especiarias para adicionar complexidade ao sabor. É frequentemente servida em restaurantes franceses como uma sobremesa elegante, e também é usada como recheio para tortas, bolos e outras sobremesas.
DETALHE: Embora a mousse de chocolate seja uma sobremesa apreciada mundialmente hoje, suas origens remontam à França do século XVIII. A receita original é atribuída ao cozinheiro francês Menon, que publicou um livro de receitas em 1755 mencionando a “mousse au chocolat“.
DICA: Utilize chocolate de alta qualidade com alto teor de cacau para obter um sabor rico e profundo e se certifique de que o chocolate derretido esfrie um pouco antes de adicionar as gemas, para evitar que cozinhem. Quando adicionar as claras em neve ou o creme batido, faça de forma delicada para manter a textura leve e aerada.
Clafoutis
Clafoutis é uma sobremesa rústica feita com cerejas frescas cobertas com uma massa semelhante a de panqueca e assada até dourar. Originário da região de Limousin, na França, o clafoutis tradicionalmente usa cerejas pretas com caroço.
DICA: Experimente com outras frutas, como ameixas, pêssegos ou framboesas, mas saiba que se não usar cerejas, tecnicamente, a sobremesa é chamada de “flaugnarde“.
CURIOSIDADE: A tradição de deixar os caroços das cerejas na receita original é para adicionar um sabor amendoado à sobremesa.
Profiteroles
Bonitos, doces e pequenos o suficiente para comer mais do que o aconselhável, os profiteroles podem vir em toda e qualquer variedade de sabores.
Recheados com creme de baunilha, ou até sorvete, esses bolinhos de creme podem ser cobertos com calda de chocolate, frutas ou simplesmente servidos simples. A massa arejada e delicada é o “pâte à choux“, ou massa choux. Uma das espinhas dorsais da confeitaria francesa, o choux é a massa usada para éclairs, beignets, Paris-Brest e muito mais. É feito cozinhando a farinha com água, leite e manteiga antes de misturar os ovos. A massa resultante fica úmida e “pipável”, inchando quando é assada. No Brasil ganhou o nome de Carolina.
DETALHE: A massa choux foi desenvolvida na França no século XVI pelo chef italiano Pantarelli, que trabalhou para a rainha Catarina de Médici. Nesta época, era apenas uma bolinha de massa sem recheios ou coberturas e era oferecidos como uma forma de gorjeta ou recompensa.
CURIOSIDADE: Os profiteroles eram originalmente servidos como um prato salgado recheado com carne ou queijo antes de se tornarem uma sobremesa.
Éclair
Éclair é um doce de massa choux alongada, recheada com creme pasteleiro e coberta com fondant. Foi criado no século XIX por Antonin Carême, um chef francês conhecido por suas contribuições à confeitaria francesa.
CURIOSIDADE: O nome “éclair” significa “relâmpago” em francês, possivelmente porque são consumidos muito rapidamente devido à sua gostosura.
Mille-Feuille
Também conhecido como “Napoleon”, o mille-feuille é feito de camadas alternadas de massa folhada e creme pasteleiro, finalizado com açúcar de confeiteiro ou glacê. O nome “mille-feuille” significa “mil folhas”, referindo-se às muitas camadas de massa folhada que compõem o doce. Acredita-se que tenha sido criado no século XVII, mas tornou-se famoso graças ao chef Marie-Antoine Carême no século XIX.
DICA: Ao cortar o mille-feuille, use uma faca serrilhada para evitar esmagar as camadas delicadas de massa folhada.
Soufflé (doce)
Soufflé é uma sobremesa leve e fofa feita de uma base de creme de gemas e claras de ovo batidas, podendo ser doce ou salgada. Criado no século XVIII, o soufflé tornou-se popular graças ao chef Marie-Antoine Carême. O nome “soufflé” vem do verbo francês “souffler“, que significa “soprar” ou “inchar”, referindo-se ao aumento de volume da sobremesa ao assar.
DICA: Sirva imediatamente após assar, pois o soufflé começará a murchar rapidamente. Use um forno pré-aquecido e evite abrir a porta do forno durante o cozimento.
Tarte au Citron
Tarte au citron é uma torta de limão feita com uma base de massa crocante e um recheio de creme de limão. É popular na região de Provença, no sul da França, onde os limões são abundantes. A combinação de ácido e doce torna a tarte au citron uma sobremesa refrescante e popular, especialmente durante os meses mais quentes.
DICA: Para um toque especial, adicione uma camada de merengue por cima e doure com um maçarico.
Dacquoise
Com camadas de merengue de nozes e recheio batido rico, o clássico bolo francês dacquoise (a pronúncia é da-qua-ze) é simplesmente impressionante. Geralmente é servido gelado e acompanhado de frutas.
DETALHE: A Marjolaine é um tipo específico de Dacquoise que sempre inclui chocolate e se apresenta em formato retangular.
CURIOSIDADE: Seu nome vem da forma feminina da palavra francesa dacquois, que significa ‘de Dax‘, uma cidade no sudoeste da França.
Frangipane tart
Esta torta de estilo francês tem um toque frutado. A palavra frangipane é um termo francês usado para nomear produtos com sabor de amêndoa. A versão clássica é baseada no crème pâtissière, um creme espesso, semelhante a um flan, feito com ovos, leite, manteiga, farinha e açúcar, que depois é misturado com amêndoas moídas. Para um frangipane rápido e fácil (para não-experts), você pode simplesmente prepará-lo com manteiga, açúcar, ovos e farinha. Finalize com calda de caramelo salgado para uma sobremesa que todos vão adorar.
DETALHE: A sobremesa teve origem no século XVII, quando o chef do rei Luís XIV criou uma espécie de massa de pasta de amêndoa.
CURIOSIDADE: Esta massa recebeu o nome de frangipane em homenagem ao marquês Frangipani, que tornou famoso na época um perfume com aroma de flor de plumeria.
Paris-brest
Primo do croquembouche, este anel de massa choux com babados de creme é como uma éclair gigante de chocolate. O Paris-Brest é um clássico na padaria francesa, formado por um anel de “pâte à choux” crocante e cravejado de amêndoas que é dividido ao meio horizontalmente, generosamente recheado com creme mousseline de praliné – uma mistura inebriante de creme de baunilha, pasta de praliné de nozes e manteiga batida – e finalizado com uma camada de açúcar de confeiteiro.
CURIOSIDADE: Inventado em 1910 pelo chef confeiteiro Louis Durand, o Paris-Brest recebeu o nome de uma corrida de bicicleta que acontece entre Paris e a cidade portuária de Brest, no noroeste da França. Foi até desenhado para se assemelhar a uma roda de bicicleta.
Creme Chantilly
Ainda que não possa ser considerada uma sobremesa por si só, essa preparação cremosa, leve e deliciosa, chamada de creme de Chantilly, surgiu no restaurante Le Hameau, nos jardins do lindíssimo Château Chantilly, para ser apreciada no mundo todo! Você precisará de um batedor elétrico ou de muita resistência para bater o creme manualmente até obter a textura espumosa necessária. Numa demonstração no Chateau de Chantilly, os chefs bateram as natas à mão durante quase dez minutos! Diz-se que um chantilly pode ser considerado “crème Chantilly” quando os delicados picos e desenhos mantêm sua forma após a batida.
DETALHE: A invenção do chantilly de Chantilly é frequentemente atribuída ao grande chef francês Vatel que trabalhou nas cozinhas do Château de Chantilly. Em abril de 1671, ele foi contratado para organizar uma festa para o Duque de Condé, proprietário de Chantilly, e seu primo Luís XIV no Chateau. A festa durou de 23 a 25 de abril, foram servidas refeições suntuosas, organizadas iluminações, caçadas e fartas diversões. Para o famoso Vatel, porém, as coisas não correram tão bem. Houve problemas na cozinha e nos mantimentos e dizem que, incapaz de suportar a indignidade do fracasso, Vatel suicidou-se antes do fim da festa. Reza a lenda que um dos problemas foi a não entrega de natas para os pratos planeados por Vatel. Para dar volume aos estoques de creme que tinha, Vatel criou o creme Chantilly.
DICA: A qualidade do creme de Chantilly depende de uma batida perfeita e precisa e se você fizer muito pode transformar o creme em manteiga!
CURIOSIDADE: A receita do chantilly espumoso é muito mais antiga do que as festividades de 1671. Livros de receitas de muitos anos atrás já apresentavam um creme com baunilha e clara de ovo “leve como a neve”. Só um século depois daquela famosa festa seria aplicado o nome Chantilly Cream e a receita incluiria o açúcar como o conhecemos hoje.
As sobremesas tradicionais francesas são mais do que apenas doces; elas são uma parte vital da herança cultural do país, representando séculos de inovação culinária e paixão por sabores excepcionais. De um delicado macaron a um exuberante soufflé, cada sobremesa oferece uma experiência única que cativa e encanta. Esperamos que esta jornada pelas sobremesas francesas tenha inspirado você a experimentar e apreciar essas maravilhas gastronômicas. Seja recriando essas receitas em sua própria cozinha ou degustando-as em uma confeitaria francesa, permita-se mergulhar na doçura e na sofisticação que somente a França pode oferecer. Bon appétit!
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